Caso encerrado – Sim, o processo é público. Err... Mais ou menos público. Ok, um pouquinho público. Ah, quase nada...

Caso encerrado – Sim, o processo é público. Err... Mais ou menos público. Ok, um pouquinho público. Ah, quase nada...

A coluna deu azia em Sonrisal e acabou descobrindo por que o TJ/RO restringiu o acesso aos autos dos processos. A culpa é do CNJ

Porto Velho, RO – Uma alteração extremamente significativa na metodologia dos parâmetros de busca no sistema Processo Judicial eletrônico (PJe) do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO) aguçou minha curiosidade.

De uma hora para outra, sem mais nem menos – conforme relatei na coluna de ontem (29) – me estabanei numa espécie de muro de contenção erigido exclusivamente para vedar a busca pela informação.

Antes, qualquer pessoa tinha acesso, indiscriminadamente, a petições iniciais, contestações, provas anexadas e, claro, às decisões proferidas, como despachos, votos, sentenças e acórdãos. Hoje, nós, os curumins, só podemos acessar as deliberações dos pajés e caciques da magistratura, ou seja, juízes e desembargadores.

Ficou a pergunta:

– Quem foi o capataz responsável por liderar a construção do paredão?

Fui atrás.

RELEMBRE
Por que o Tribunal de Justiça de Rondônia burocratizou a busca pela informação restringindo o acesso aos atos processuais?

Descobri através de uma conversa informal com uma advogada que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) havia concedido uma liminar a fim de delimitar o acesso irrestrito a usuários comuns.

Peço aqui, vasculho acolá, não encontro nada a respeito e então, só a partir disso, resolvi entrar em contato com a assessoria do TJ/RO. Fui obrigado a dar azia em Sonrisal nos membros da Corte porque, confesso, sou um chato inconsolável enquanto permanecem as dúvidas.

Fazer o quê? Pedir desculpas pela insistência? Acho que não.

Bom, antes de a azia se tornar gastrite e evoluir, quem sabe, a algo mais grave como uma úlcera péptica, voilà!, recebi o feedback.

Francyldo Marques de Almeida é o nome do capataz.

Ele é técnico Judiciário lotado na Coordenadoria de Serviços de Infraestrutura, Logística e Segurança do Tribunal Regional do Trabalho (TRT14), de acordo com consulta realizada na folha de pagamento do órgão referente ao mês de novembro deste ano.

O cidadão apresentou pedido de providência ao CNJ alegando, resumidamente, que o TJ/RO estava descumprindo  a Resolução 185/2013, que instituiu o PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais, além de estabelecer as diretrizes para sua implementação e funcionamento.

Almeida argumentou que, embora a Resolução do CNJ determine que o inteiro teor de documentos esteja disponível para as partes, advogados e MPs, mediante credenciamento no sistema, o TJ/RO permitia o acesso universal aos autos a qualquer pessoa sobre todas as peças processuais, inclusive petições iniciais e contestações.

O técnico apresentou nova petição relatando “situação grave de exposição de dados em processo que versa sobre pensão alimentícia”, ou seja, que deveria tramitar automaticamente em caráter sigiloso.

Em suma, o que eu pensava ser uma atuação administrativa elogiável e de vanguarda era, na realidade, negligência funcional.


O conselheiro Márcio Schiefler Fontes

No final de setembro, o conselheiro Márcio Schiefler Fontes atropelou o pedido liminar e decidiu o mérito da solicitação de uma vez só:

“Na hipótese dos autos, a partir da consulta aos processos indicados pelo requerente, constata-se o e. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia tem permitido que todas as peças processuais sejam visualizadas por qualquer pessoa, o que acaba por afrontar as Resoluções deste Conselho (121/2010 e 185/2013)”, anotou.

Márcio Schiefler, então, arrematou:

“Logo, dada a natureza cogente das Resoluções do CNJ, faz-se necessário que o e. Tribunal Rondoniense se adeque às normas de regência para que não permita o acesso ao público em geral de todos os documentos constantes dos processos que tramitam naquele Poder Judiciário local, mas sim apenas do inteiro teor das decisões, sentenças, votos e acórdãos”.


Os termos da decisão do CNJ

Antes de receber a decisão, o promotor de Justiça Geraldo Henrique Ramos, baseado pelo meu artigo anterior, protocolou um pedido oficial de explicações ao CNJ. Ramos deve retirar o pedido de explicação e providências assim que receber resposta oficial do órgão.


Pedido de providência apresentado pelo MP/RO

Também pedi a opinião do presidente eleito da OAB/RO, Elton Assis, acerca do imbróglio. Ambos foram extremamente solícitos e diligentes diante dos questionamentos levantados pela coluna.  As manifestações de Geraldo Henrique Ramos e Elton Assis estão publicadas na íntegra no final do artigo.

A assessoria de Imprensa do TJ/RO, dentro do possível, fez o seu trabalho de forma cuidadosa, respeitável e com esmero, atendendo aos meus chamados de forma completa, extinguindo as incertezas e ajudando a esclarecer os fatos.

Com isso, o presidente Walter Waltenberg Silva Júnior, citado nominalmente, também merece os nossos cumprimentos neste caso.

Chegando aos finalmentes – e peço perdão aos leitores por me extender tanto – a Resolução 121/2010 do CNJ é a mais emblemática porque restringe a interpretação sobre o que a lei chama de publicidade dos atos processuais, criando um conceito bastante controverso, e passível de ampla discussão, denominado como “dados básicos do processo livre”.

Vejam só:

“Art. 1.º A consulta aos dados básicos dos processos judiciais será disponibilizada na rede mundial de computadores (internet), assegurado o direito de acesso a informações processuais a toda e qualquer pessoa, independentemente de prévio cadastramento ou de demonstração de interesse.

Parágrafo único. No caso de processo em sigilo ou segredo de justiça não se aplica o disposto neste artigo.

Art. 2.º Os dados básicos do processo de livre acesso são:

I – número, classe e assuntos do processo;

II – nome das partes e de seus advogados;

III – movimentação processual;

IV – inteiro teor das decisões, sentenças, votos e acórdãos”.

Encerrando, juro, (sim, dai graças e louvai), o acesso irrestrito aos atos processuais via PJe vem causando justamente ampla discussão na doutrina. Lembrando que as resoluções são atos normativos inferiores às leis e, todos eles, sem exceção, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade.

Minha percepção é que o CNJ ultrapassou seu poder para regularmentar indo além de suas prerrogativas e cerceando fatalmente o princípio da publicidade dos atos processuais.

Minha participação leiga nessa peleja fica por aqui, daqui adiante é troca de sopapo pra cachorro grande. Caso resolvido: o processo é público. Err... mais ou menos.

Ok, quase nada!

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Promotor baseou-se na coluna anterior para pedir explicações ao CNJ

Do promotor Geraldo Henrique Ramos ao corregedor nacional do CNJ

Senhor Corregedor Nacional, Sua Excelência Ministro Humberto Martins;

Há denúncias publicadas na imprensa local que noticiam restrição indevida ao acesso de informação aos atos jurisdicionais e administrativos da r. Corte Estadual de Justiça (TJ/RO).

Consta que esta restrição teria decorrido de determinação desse Egrégio Conselho Nacional de Justiça.

No entanto, não informam em que autos teria sido tomada essa controvertida decisão. Apenas mencionam que o fazem por decisão desse honrado Órgão colegiado.

A notícia veiculada, juntado em sua íntegra ao final do presente “Mail”,  contém melhores informações sobre todo o ocorrido, que, à toda evidência, contrária à lei de acesso à informação e o princípio geral constitucional de publicidade dos atos da Administratacao Pública e, em especial, da publicidade e motivação do exercício/atividade/dever dos atos juridicionais.

Assim, preocupado com a ofensa aos regramentos legais e constitucionais pertinentes à espécie, tão caros ao Regime Democrático e ao Estado de Direito Democrático, é que este Ministerio Publico Estadual, por sua promotoria de defesa da probidade e legalidade da capital, requer adoção de providências tendentes a derrubada imediata desta censura e restrição à publicidade dos atos jurisdicionais e administrativos do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.

Respeitosamente, e na certeza de poder contar com a proteção desse honrado Conselho, aguardo deferimento dconcessão da medida em caráter para que as publicações tornem a veicular o inteiro teor dos julgados jurisdicionais e administrativos.

Segue o editorial do veículo da imprensa que noticiou esta possível ilegalidade, de censura à publicidade e violação do acesso à informação, que merece atenção redobrada desse Eg. CNJ.

http://www.rondoniadinamica.com/arquivo/noticia36940.shtml

Respeitosamente;

Geraldo Henrique Ramos Guimarães 

Promotor de Justiça titular da defesa da probidade e patrimônio público da Comarca de Porto Velho/RO


Advogado Elton Assis respondeu ao questionamento 

Do presidente eleito da OAB/RO Elton Assis à Visão Periférica

Caro Vinícius,

Na situação em questão não posso falar em nome da Seccional de Rondônia, pois somente poderei fazê-lo após 1º de janeiro de 2019.

Caso pretenda uma posição da Seccional, sugiro que entre em contato diretamente com o Presidente Andrey Cavalcante. 

No entanto, minha visão pessoal sobre o assunto: penso que a lei de acesso a informação assegura a imprensa e sociedade em geral o acesso à integra dos processos judiciais, com ressalva daqueles que tenha sido atribuído segredo de justiça por força de disposição legal.

Por outro lado, o acesso indiscriminado - como ocorria anteriormente - colocava em risco os cidadãos que buscavam a justiça, pois permitia o mau uso de informações sensíveis de pessoas físicas e jurídicas, até mesmo para a prática de crimes, sem possibilidade de rastreio e controle.

Por isso que é necessário que o PJE, e qualquer outro sistema, tenham mecanismos de cadastro de usuários.

Vale lembrar, por fim, que a proteção de dados, garantindo a privacidade do cidadão, é um dever constitucional do Estado.

Elton Assis, presidente eleito da OAB/RO

Autor / Fonte: Vinicius Canova

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