O melancólico fim de Kevin Spacey

O melancólico fim de Kevin Spacey

Enfermaria 67, HB – Ator de talento indiscutível, Kevin Spacey Fowler percebeu sua carreira ruir até chegar ao nada absoluto em pouco mais de uma semana.

A razão?

Uma bola de neve que se formou a partir da declaração de Anthony Rapp, de Star Trek: Discovery e Rent, dando conta de que Spacey teria tentado coagi-lo a fazer sexo à época em que tinha apenas 14 anos de idade – há pouco mais de três décadas.

Depois disso, as peças do dominó começaram a cair uma a uma com reforço do protagonista de sua própria tragédia. Em vez de negar, Kevin Spacey usou o Twitter e admitiu sem admitir – municiado da velha desculpa do “não me recordo, mas se eu fiz...”.

O problema é que, não satisfeito, o eterno Lester Burnham de Beleza Americana (1999) “se encorajou” após as escusas esfarrapadas e, no mesmo discurso, admitiu publicamente ser homossexual: “E eu tive encontros românticos com homens por toda a minha vida e escolhi viver como um homem gay”.

Parecia ser a pá de cal para o que já estava suficientemente deformado, porém haveria mais – muito mais. O chão ainda estava longe do corpo que caia a mil por hora.

Aparentemente, nada poderia ser pior que um ator renomado, conceituadíssimo em Hollywood, acusado de assédio e tentativa de abuso sexual contra uma criança de 14 anos relacionar, ainda que indiretamente só que no mesmo texto, pedofilia à orientação sexual, gerando revolta imediata da comunidade LGBT e de outros filões da sociedade norte-americana. Spacey, enfim, estava só.

Como bem relembrado pela irmã da colunista Isabela Boscov, de Veja, há uma frase de Frank Underwood, o presidente da República em House of Cards, que exemplifica curiosamente bem por que homens poderosos e ricaços como Spacey e Harvey Weinstein caem na esparrela do assédio mordaz e inconsequente.

“Tudo no mundo tem a ver com sexo. Exceto o sexo. Sexo tem a ver com poder”.

No dia seguinte à denúncia e ao pedido de “desculpas”, a Academia Internacional de Artes e Ciências Televisivas cancelou a homenagem que iria fazer a Spacey durante a exibição do Emmy Internacional. Vieram mais e mais denúncias a partir da primeira até que, no dia 04 de novembro, a Netflix demitiu o ator de House of Cards e o desligou de qualquer projeto desenvolvido pela empresa, inclusive um longa em que encarnaria o escritor Gore Vidal.

A cereja do bolo foi uma decisão sem precedentes na história. Nunca ocorreu nada parecido no Cinema até hoje. O diretor Ridley Scott anunciou a remoção integral de toda a participação de Spacey em seu novo filme, Todo o Dinheiro do Mundo. Já estava tudo pronto, incluindo trailers e campanha para indicação ao Oscar. Christopher Plummer participará das refilmagens no papel que antes era de Spacey. O custo para fazer tudo de novo? Dez milhões de dólares!

Não há exageros quando o assunto é assédio e/ou abuso sexual.

Aliás, o que estranha são as mais diferentes reações da academia e da indústria cinematográfica como um todo em relação a perpetradores e vítimas. Quando as mulheres denunciam os criminosos as coisas parecem tomar rumo bem mais simples e tudo escorre de maneira sórdida para debaixo do tapete como se nada tivesse existido. Óbvio que um longo caminho tem de ser percorrido entre uma acusação e as sentenças judiciais e populares. Mesmo assim, os casos não ganham a mesma repercussão e aparentemente não merecem o mesmo empenho na hora da elucidação dos fatos.

Spacey cavou sua própria cova, que descanse em paz! Afinal, desfrutará com o colega de crimes Harvey Weinstein dos serviços oferecidos pela luxuosa clínica de combate ao vício sexual, The Meadows, cuja mensalidade chega a R$ 130 mil.

Mas por que homens como Dustin Hoffman, Casey Affleck, o irmão Ben Affleck, Roman Polanski, Woody Allen, o cineasta cult Lars Von Trier, Bill Cosby e até mesmo o lutador policial Steven Seagal respiram aliviados (talvez Cosby nem tanto...) mesmo incorrendo nos mesmos erros do colega há pouco execrado pela turba hollywoodiana?

A resposta pode estar debaixo de nossos narizes – e em franca negação: o machismo, aquele que dizem não existir, faz com que os gritos femininos sejam abafados, e isto sim é um risco, pois evidencia enorme tapete vermelho estendido a celebridades que, a despeito de espancar e estuprar, continuam angariando prêmios e recebendo o reconhecimento tanto da indústria a qual pertencem quanto da clientela que os consome.

Autor / Fonte: Vinicius Canova

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