O poeta da música foi morar nas estrelas- por: Arimar Souza de Sá

O poeta da música foi morar nas estrelas- por: Arimar Souza de Sá

 Alguns autores e cantores como Vinicius de Moraes, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Peninha, Fagner, Belchior, Guilherme Arantes e tantos outros, poetizaram a música, entregando ao público o muito da essência cultural brasileira.

Juntaram conhecimento e inspiração, deixando jorrar para alegria nossa, recados fortes, contundentes, verdadeiros tapas na cara de quem de direito.

E nesse passo, o genial Belchior, poeta e compositor de “escol”, que esta semana deixou sua trajetória terrestre e foi morar pertinho do criador, manejava com destreza a ironia ácida e contundência poética do Sertão Nordestino.

Quando compunha, “estraçalhava as figuras de linguagem, sobretudo a metáfora”. Em Apenas um Rapaz Latino Americano, deu palmadas na nossa imaginação:

“Mas não se preocupe meu amigo

Com os horrores que eu lhe digo

Isto é somente uma canção/ a vida

Realmente é diferente

Quer dizer

“Ao vivo é muito é muito pior”.

Sem dúvidas, foi o mais literário e também o mais literato dos compositores brasileiros.

Na voz de Elis Regina ele santificou o cenário da música brasileira com a canção: “Como os nossos Pais e, polemizando com Caetano, foi divino!

“Eu sou apenas um rapaz

LATINO Americano. Sem dinheiro no banco

Sem parentes importantes

E vindo do interior,  mas trago de cabeça

Uma canção do Rádio

Em  que um antigo compositor baiano

Me dizia

Tudo é divino

Tudo é maravilhoso”.

Belchior  era assim: um ser inusitado como morreu. Esculpiu a sua vida musical com canções inesquecíveis, como em “Alucinação”:

Eu não estou interessado

Em nenhuma teoria

Nem nessas coisas do oriente

Romances astrais

A minha alucinação

É suportar o dia-a-dia

E meu delírio

É a experiência

Com coisas reais

A morte é assim, sempre dura de aceitar. Embora parceira da vida, é covarde e não dá explicação, carrega para distante os cegos, e os iluminados, como Belchior, ficam resplandecendo como estrelas que vagam no céu, porque a poesia deles cola tanto em nosso juízo, como o perfume e vai conosco para o infinito.

Na composição “Galos, Noites e Quintais, Belchior arrancou de Chico Anísio, seu conterrâneo, uma homenagem que o fez chorar. Disse Chico:  “Eu quero prestar uma homenagem a uma pessoa especial pra mim e pra minha vida.  Quando ouvi a música pensei. “Por que eu não compus essa letra, se ela retrata tanto a minha vida”?

“Quando eu não tinha o olhar lacrimoso,

que hoje eu trago e tenho;

Quando adoçava meu pranto e meu sono,

no bagaço de cana do engenho;

Quando eu ganhava esse mundo de meu Deus,

fazendo eu mesmo o meu caminho,

por entre as fileiras do milho verde

que ondeia, com saudade do verde marinho:

Eu era alegre como um rio,

um bicho, um bando de pardais;

Como um galo, quando havia...

quando havia galos, noites e quintais.

Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo

o mal que a força sempre faz.

Não sou feliz, mas não sou mudo:

hoje eu canto muito mais

Pois é! Deus carregou mesmo um gênio de nosso repertório musical, hoje tão “mediocrizado” com os tais “sertanejos universitários” que, de tão ruins, perderam a oportunidade de lamber a bota de um Deus do Meio. Agora é tarde!

Belchior era tudo isso e muito mais. Era “alegre como um rio”, mas partiu para o batismo eterno, onde anjos agora cantarão com ele a sinfonia do amor, na companhia de um bicho ou de um “bando de pardais”.

E, no fim da vida, como se vivenciasse na pele a Divina Comédia Humana,  desfrutou dos três planos lógicos da obra de Dante Alighieri, a seu modo.

E passou:

Pelo Inferno: na Infância;

Pelo Purgatório no exílio opcional do Rio Grande do Sul;

E no último sábado, 30, para o Paraíso Celeste, onde comporá, certamente, lindíssimas e suaves musicas sob os acordes do Criador.

Não há quem duvide, no entanto que, por ocasião de seu ingresso no Plano Superior, os anjos na porta de entrada, devem ter reivindicado uma “canjinha”.

E à capela, que ele solte o vozeirão como um rapaz latino americano, que por medo de avião, partiu da terra deixando saudades a nós e “Aos nossos Pais”.

Descanse em paz, poeta, sua vida agora é nas estrelas.

Mas se pudesse, queria “TUDO OUTRA VEZ”. Valeu! Amém!

O autor é jornalista, advogado e apresentador do Programa A VOZ DO POVO da Rádio Cultura FM, 107,9.

Email: [email protected]

Autor / Fonte: Arimar Souza de Sá

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